Bolha de sabão

Publish date 14-03-2017

by ARSENAL DA ESPERANÇA

“A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim”. A canção de Carlos Imperial entonada por Ronnie Von na época da Jovem Guarda falava de um lugar público típico para o encontro, a conversa, o cenário que ficou, o amor que passou e deixou saudade. A praça.

Outros espaços transformados podem assumir papéis parecidos. Um garotinho brinca com dois bastões unidos por um barbante nas pontas amarrados numa tampinha de garrafa. Mergulha o instrumento num balde com água e detergente. Sobe as varetas desenhando no ar. Uma enorme bolha de sabão se forma. Explode rápida e some. Tenta de novo.

Numa rua sem saída da Mooca em São Paulo, perto do Arsenal da Esperança e do Museu do Imigrante, uma casinha virou capela. A antiga morada dos ferroviários. Na revolução de 32 o estabelecimento foi atingido por uma bomba e embora a destruição fosse certa, o artifício não detonou e todos se salvaram. Atribuindo o milagre à Nossa Senhora de Aparecida, os Ferroviários construíram uma capelinha em homenagem à santa.

Aos sábados, os protagonistas dA Praça organizam atividades com as crianças e adolescentes nas mediações da capelinha. A rua é curta e tem uma pequena quadra no fundo. “A Praça” é apelido do lugar e do projeto tanto nas redes sociais quanto nas redondezas. 


No final de semana passado “A Praça” foi apresentada durante as oficinas do 1º Simpósio de Catequese da Paulus Editora na FAPCOM (foto), a Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação na Vila Mariana em São Paulo. Ao mesmo tempo, na sede de “A Praça” rolava uma outra oficina, a de sabão artesanal. Uma das paroquianas da Casaluce, a Vitória, propôs ensinar a quem viesse, a confecção do tradicional “sabão em pedra”. O óleo de cozinha descartado foi o principal ingrediente. 

O reuso do óleo de cozinha é uma prática sustentável e além de ajudarmos a natureza, nos beneficiamos de suas propriedades que junto com a água e a soda cáustica servem de matéria prima para nosso produto de limpeza. Com um mini fogão, fervemos a água, despejamos os componentes em vários baldes e começa a mistura. Colheres enormes de madeira e de resina são nossas companheiras pelas próximas duas horas. Mulheres, homens, adolescentes e crianças, voluntários, cada um com seu caldeirão individual feito balde, revezam-se na batedeira-humana.

Distrações são bem-vindas. Um gatinho faminto encontrado sobre o telhado embaixo da caixa d’água suscita solidariedade, um bate-bola esportivo na rua, uma troca de ideias. O líquido amarelão escuro ainda está mole constata a mestra. Da persistência vem a consistência. “Mexe mais, menina!” Dói o braço... Uma risada aqui, outra ironia lá... “Parece doce-de-leite! ”, diz alguém. “Bom se fosse! ”, completa outra. 

A poção mágica é composta por cinco litros de óleo, um de água e um de soda cáustica. Mexe que remexe, descobrimos histórias de avós fazendo sabão dentro de garrafas, algumas mães preferiam a soda mais escura e densa. São mulheres em roda. Filhas, tias, mães e meninas tornando o 8 de março um ato quotidiano. Lembram cantigas de carnaval ou de canavial, da capoeira à cultura afro-índia. Preferem o silêncio e concentram. O trabalho repetitivo parece terapêutico. Cansa, mas até que enobrece. Nos rende parecidos com os animais – o que de fato também somos. Talvez a tecnologia, a arte, as conexões nos distingam. Ao superarmos o instinto, pensamos, aprendemos e construímos sentido.
“A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim”, tudo é igual e diferente. Alegrias e tristezas são bolhas grandes ou pequenas, opacas ou coloridas que podem ser compartilhadas. No quintal da vida ou de uma capelinha fazendo sabão com os amigos. 
12.03.2017 - Nina Ratti

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