O que intervir no quê?

Publish date 14-06-2010

by ARSENAL DA ESPERANÇA

Durante todo este tempo em que residimos teatro nesta casa de acolhida e passagem, nos esforçamos para manter o corpo atento ao entorno e não naturalizar o olhar. Conviver aqui precisa ser um exercício contínuo de descoberta, para não cairmos na vala comum dos preconceitos e verdades absolutas. Assim também deve ser o teatro que pretendemos e propomos. Avaliamos cada ação nossa aqui dentro com a finalidade de potencializar o pensamento e acirrar o debate.

Enquanto montávamos Homem Cavalo & Sociedade Anônima experimentamos uma relação dinâmica de troca com os acolhidos a partir do material em processo que fundamentaria a peça. Às vezes apenas personagens, roteiros para improvisação ou ainda cenas abertas para o diálogo imediato com o público. A este procedimento chamamos intervenção. De tão reveladora e vigorosa, esta experiência orientou nosso projeto seguinte que visava verticalizar este estudo.

Vivendo o movimento desta casa, plantamos o projeto SobrePosições, sedentos por troca. Cada ação proposta no projeto visava construir possibilidades para intervenção, desde estudos que nos alimentariam para o ato, até exibição de resultados como exercícios, espetáculos e filmes, passando por processos de criação abertos.

Aos poucos, algumas experiências pontuais nos revelaram ruídos na relação. A rotatividade da casa tinha imprimido sua marca nas relações e, neste momento, os acolhidos eram outros: jovens - em geral - e muitos usuários (ou ex) de crack. O Arsenal se mostrava, novamente, reflexo imediato da realidade periférica (não apenas geográfica) de nossa cidade. Agora a relação era mais dura, ágil e menos harmoniosa. Não podíamos propor um espaço de reflexão se antes não considerássemos esta realidade.

Várias ações do projeto foram tocadas por essa constatação. A reação durante os espetáculos se transformou, a participação nas oficinas mudou, as formas de mediação e debate pós espetáculos e filmes se mostraram ineficientes, o encontro com os grupos convidados - em partilha franca de procedimentos práticos - começou a urgir cuidado quanto à forma e conteúdo. Começamos a nos questionar sobre a qualidade e função das chamadas intervenções na casa. É evidente que nosso grupo também se transformou neste períodos, e conseguíamos vislumbrar certas ingenuidades do processo.

Buscamos, então, recolhimento para repensar. Tudo pode ser intervenção, mas qual queremos? E enquanto nos protegíamos na sala para ganhar força estética e discursiva, o Arsenal mudou. E mudou de novo. E mais uma vez. A velocidade industrial de nossos tempos, que, sem zelo, perpassa cada relação que construímos, levou e trouxe nossos interlocutores. Nos ressentimos de estarmos ausentes, mas é necessário entender este movimento de preparação.

Neste momento estamos de volta ao espaço aberto, mais prontos para intervir. Iniciaremos estudos teóricos sobre intervenção, mas não o apartaremos da prática que já se agita nos espaços de convivência do Arsenal, para que o risco do embate atravesse concretamente nossas propostas nas criações, nos encontros com grupos, nas oficinas e no que mais for proposto na roda.

Torcemos para que assim nossos olhos (Estável, acolhidos e demais participantes do projeto) se orientem para um encontro de descoberta e renovação.

Osvaldo Hortencio (Dinho), Cia. Estável de Teatro

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