EX-PERIGOSOS. 115 mil horas de serviço alternativo à pena

Publish date 11-01-2014

by ARSENAL DA ESPERANÇA

Cada um tem uma história feita de alegrias e entusiasmos, mas também de feridas e condicionamentos. Entretanto, o passado não é uma prisão. Quem o acolhe, quem tem a coragem de fazer as pazes, pode se tornar uma pessoa melhor. Às vezes, um mestre.

Nestes dias em que se fala tanto de violência, dentro e fora das penitenciárias, uma pequena reflexão a partir da realidade dos muitos réus aos quais é oferecida a possibilidade de pagar a sua pena no Arsenal da Esperança realizando um serviço a favor da coletividade.

Muitos de nós estão seguros de que jamais cometerão um erro, uma irregularidade ou mesmo um crime que poderia levar a cumprir dias, meses, anos de prisão. Mas em um mundo louco como o nosso é melhor nunca dizer nunca, porque pode acontecer com qualquer um!

Desde julho de 2006 até hoje, nós conhecemos mais de 2.000 pessoas que, pela primeira vez, acabaram cometendo um crime e que foram condenadas a pagar a sua pena no Arsenal da Esperança de São Paulo, no Brasil. Não em uma prisão, que não existe na nossa casa, mas em um lugar no qual realizar um serviço a favor de quem se encontra em uma situação mais difícil. O cálculo é simples: uma hora de serviço comunitário por cada dia de prisão previsto na pena. Podem ser convertidas todas as sentenças que sejam de até no máximo quatro anos. 

A porta dos Arsenais é sempre aberta a todos aqueles que dia após dia nos procuram espontaneamente para consertar alguma coisa que se quebrou, dentro de si e com os outros. Nesse sentido, cada minuto que conseguimos oferecer é uma gota acrescentada ao mar de bem que cada dia a Fraternidade da Esperança alimenta silenciosamente e que se torna oxigênio para a humanidade inteira. No caso dos condenados a uma medida alternativa à detenção carcerária, trata-se de pessoas obrigadas a procurar a autoridade judiciária.

Homens e mulheres como a senhora Adriana que, para conseguir ajudar a filha que estava em uma situação econômica difícil, deu a ela cheques assinados sem fundos. Enviada para o Arsenal, passou cerca de um ano prestando um serviço noturno na nossa biblioteca. O senhor Arnaldo, aposentado, que, descoberto pela polícia com a garagem cheia de passarinhos protegidos e condenado por crime ambiental, passou com a gente horas de serviço na lavanderia. Jonas, que em um sábado à noite, depois de ter bebido além da conta, ao voltar para casa provocou um acidente de trânsito com consequências fatais: dois anos de serviço comunitário prestado na acolhida noturna. E há ainda os torcedores de futebol julgados perigosos e que aos domingos, durante as partidas do time do coração, varrem os pátios ou lavam as janelas; o empresário que não pagou as taxas e que anota a presença diária dos acolhidos na nossa casa; a senhora que brigou feio com a vizinha e que agora descasca batatas na nossa cozinha; e, enfim, rapazes e garotas – são os casos mais frequentes – flagrados fumando maconha e que agora trocam os lençóis nos vários dormitórios.

A maior parte dessas pessoas nunca tinha pensado que corria o risco de acabar na cadeia, que aqui no Brasil, talvez mais do que em outros lugares, é sinônimo não só de restrição temporária da liberdade, mas sobretudo de violência e escola de criminalidade. E são principalmente os mais jovens que, tendo cedido à tentação do crime uma vez, acabam caindo na teia maléfica de tantas facções criminosas que dominam dentro e fora das penitenciárias. Evitar a prisão é, portanto, fundamental também aos olhos das próprias autoridades judiciárias. Pela justiça, todavia, nem sempre é fácil encontrar uma comunidade disponível a quem confiar essas pessoas. 

Pessoas como Adriana, Arnaldo, o amigo aposentado, o rapaz de sábado à noite e os fanáticos pelo time de futebol, vistos por todos como perigosos ou indesejados, somam as suas forças às dos voluntários, dos dependentes e dos próprios acolhidos, misturando-se e completando-se no esforço cotidiano de construir um pouco de bem, para si e para os outros. Tornam a sentir-se, ou sentem-se pela primeira vez, uma parte importante, em certos casos até mesmo indispensável, de uma economia da restituição que mesmo quando é conhecida por meio de uma condenação pode se transformar em uma mentalidade.

Acreditamos que as 115 mil horas de serviço no Arsenal e de convivência com a Fraternidade da Esperança e com os mais pobres ajudaram muitíssimas pessoas não apenas a reparar simbolicamente um dano, mas também a fazer uma reflexão positiva, sobre si mesmas e sobre uma sociedade sempre pronta a condenar e pouco treinada a amar, arriscar, inventar, socorrer e, sobretudo, a perdoar.

Um pequeno conselho: nunca dizer nunca a essas coisas… Condenemo-nos a algumas horas de bem por semana!
Lorenzo Nacheli

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